castro alves

27/08/2013 15:12

A bainha do punhal

 

Fragmento


Salve, noites do Oriente,

Noites de beijos e amor!

Onde os astros são abelhas

Do éter na larga flor...

Onde pende a meiga lua,

Como cimitarra nua

Por sobre um dólmã azul!

E a vaga dos Dardanelos

Beija, em lascivos anelos

As saudades de 'Stambul.




Salve, serralhos severos

Como a barba dum Paxá!

Zimbórios, que fingem crí¢nios

Dos crentes fiéis de Alá! ...

Ciprestes que o vento agita,

Como flechas de Mesquita

Esguios, longos também;

Minaretes, entre bosques!

Palmeiras, entre os quiosques!

Mulheres nuas do Harém!.




Mas embalde a lua inclina

As loiras tranças pra o chão

Desprezada concubina,

Já não te adora o sultão!

Debalde, aos vidros pintados,

Aos balcíµes arabescados,

Vais bater em doudo afã...

Soam tí­mbalos na sala...

E a dança ardente resvala

Sobre os tapetes do Irã!...

 

A criança

 



Que veux-tu, fleur, beau fruit, ou l'oiseau merveilleux?
Ami, dit l'enfant grec, dit l'enfant aux yeux bleus,
Je veux de Ia poudre et des balles.
VICTOR HUGO (Les Orientales)


Que tens criança? O areal da estrada
Luzente a cintilar
Parece a folha ardente de uma espada.
Tine o sol nas savanas. Morno é o vento.
í€ sombra do palmar
O lavrador se inclina sonolento.


í‰ triste ver uma alvorada em sombras,
Uma ave sem cantar,
O veado estendido nas alfombras.
Mocidade, és a aurora da existência,
Quero ver-te brilhar.
Canta, criança, és a ave da inocência.


Tu choras porque um ramo de baunilha
Não pudeste colher,
Ou pela flor gentil da granadilha?
Dou-te, um ninho, uma flor, dou-te uma palma,
Para em teus lábios ver
O riso — a estrela no horizonte da alma.


Não. Perdeste tua mãe ao fero açoite
Dos seus algozes vis.
E vagas tonto a tatear í  noite.
Choras antes de rir... pobre criança!...
Que queres, infeliz?...
— Amigo, eu quero o ferro da vingança.
 

A D. Joana




(No dia do seu aniversário)


SENHORA, eu vos dou versos, porque apanho
Das flores d'ahna um ramalhete agreste
E são versos a flora perfumada,
Que de meu seio a solidão reveste.


E vós que amais a parasita ardente,
Que abre como um suspiro em pleno maio,
E o aroma que anima o cálix rubro
— Talvez de uma alma perfumoso ensaio,


E esse vago tremer de ní­veas pétalas,
Que faz das flores meias borboletas,
O escarlate das malvas presumidas,
A modéstia infantil das violetas,


E essa linguagem transparente e meiga
Que a natureza fala nas campinas
Pelas vozes das brisas suspirosas,
Pela boca rosada das boninas ...


Hoje, na vossa festa, em vosso dia,
Em meio aos vossas í­ntimos amores...
Juntai aos ramalhetes estes versas,
Pois versas de afeição... também são flores!