vinicius de moraes

27/08/2013 14:33

A anunciação

Montevidéu

Virgem! filha minha 
De onde vens assim 
Tão suja de terra 
Cheirando a jasmim 
A saia com mancha 
De flor carmesim 
E os brincos da orelha 
Fazendo tlintlin? 
Minha mãe querida 
Venho do jardim 
Onde a olhar o céu 
Fui, adormeci. 
Quando despertei 
Cheirava a jasmim 
Que um anjo esfolhava 
Por cima de mim...

            

A ausente

 

Amiga, infinitamente amiga 
Em algum lugar teu coração bate por mim 
Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus. 
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios 
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas 
Como que cega ao meu encontro... 
Amiga, última doçura 
A tranqüilidade suavizou a minha pele 
E os meus cabelos. Só meu ventre 
Te espera, cheio de raízes e de sombras. 
Vem, amiga 
Minha nudez é absoluta 
Meus olhos são espelhos para o teu desejo 
E meu peito é tábua de suplícios 
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes 
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim 
Como no mar, vem nadar em mim como no mar 
Vem te afogar em mim, amiga minha 
Em mim como no mar...

 

A Berlim

Rio de Janeiro

 

Vós os vereis surgir da aurora mansa 
Firmes na marcha e uníssonos no brado 
Os heróicos demônios da vingança 
Que vos perseguem desde Stalingrado. 

As mãos queimadas do fuzil candente 
As vestes podres de granizo e lama 
Vós os vereis surgir subitamente 
Aos heróicos prosélitos do Drama. 

De início mancha tateante e informe 
Crescendo às sombras da manhã exangue 
Logo o vereis se erguer, o Russo enorme 
Sob um sol rubro como um punho em sangue. 

E ao seu avanço há de ruir a Porta 
De Brandemburgo, e hão de calar os cães 
E então hás de escutar, Cidade Morta 
O silêncio das vozes alemãs.